OBLITERAÇÃO DO CANAL RADICULAR: como Tratar com Segurança e Previsibilidade?

A obliteração do canal radicular é caracterizada pela deposição de tecido duro dentro do espaço ocupado pela polpa e sua ocorrência está relacionada aos traumatismos dentários, lesões de cárie, tratamento ortodôntico, hábitos parafuncionais, envelhecimento individual, dentre outros fatores.1

O mecanismo que leva ao seu desenvolvimento é desconhecido, todavia, acredita-se que esteja relacionado à ausência de suprimento neurovascular da polpa na presença de lesões, estimulando a deposição de tecido mineralizado.2 Na grande maioria dos casos essa condição é assintomática e, portanto, não detectável em estágios iniciais. Clinicamente é possível notar uma tonalidade mais escura e aspecto amarelado da coroa dentária. Assim, esses dentes são diagnosticados após exames clínicos e/ou radiográficos de rotina.  

Não há consenso na literatura sobre a indicação ou o momento ideal em se tratar endodonticamente dentes obliterados. Alguns autores recomendam que eles devem ser monitorados e tratados apenas quando existirem rarefações periapicais, presença de sintomatologia ou por necessidade protética.2,4 Quando da realização do tratamento, algumas complicações podem ser esperadas como a remoção excessiva de estrutura dentária, perfurações, desvios da trajetória original do canal e fraturas de instrumentos.2 

Atualmente, com o surgimento e aprimoramento de novas tecnologias, a incidência desses acidentes tem diminuído, proporcionando ao clínico maior segurança e previsibilidade na execução destes tratamentos.3 O planejamento por meio da tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) e a execução do caso no conceito Microsonic, que alia a microscopia operatória ao ultrassom, têm possibilitado maiores níveis de sucesso.3,5  

A TCFC possibilita uma análise tridimensional a respeito da anatomia, sem sobreposição de estruturas adjacentes, o que facilita a identificação dos canais, suas direções, dimensões e graus de obliteração. De forma complementar a microscopia operatória oferece a magnificação e iluminação do campo de trabalho, enquanto que os insertos ultrassônicos propiciam lisura e refinamento de corte das estruturas, permitindo o acesso seguro em áreas profundas com o mínimo de desgaste.3 

Assim, para maior performance clínica no tratamento endodôntico de canais obliterados, técnicas contemporâneas devem ser implementadas, conforme demonstrado no relato de caso a seguir.  

Relato de Caso

Paciente de 28 anos compareceu ao consultório com histórico de traumatismo dentário de subluxação há três anos. Clinicamente o dente 21 apresentou-se sintomático, com coloração amarelada da coroa, resposta negativa ao teste de sensibilidade pulpar a frio e respostas positivas aos testes de percussão vertical e horizontal. Ao exame radiográfico periapical verificou-se obliteração da câmara coronária e do canal radicular, com aumento do espaço do ligamento periodontal apical.

Radiografia periapical inicial.

Ao exame tomográfico os indícios radiográficos foram confirmados, com obliteração intensa no terço cervical e visualização de tênue luz de canal a partir do terço médio. Estabeleceu-se o diagnóstico de periodontite apical aguda infecciosa com plano de tratamento de necropulpectomia.

TCFC do dente 21: Corte coronal (A); Cortes axiais em diferentes alturas (B, C e D)

Todo o procedimento foi executado com o microscópio operatório Opmi Pico (Carl Zeiss) aliado ao ultrassom Satelec Newtron P5 XS (Acteon). Inicialmente foi realizada abertura coronária com broca 1012 HL até o tecido dentinário. Para localização da entrada do canal e avanço nos terços cervical e médio foram utilizados os insertos ultrassônicos E6D, E3D e Finder (Helse Ultrasonic). Após a localização do canal utilizou-se limas C Pilot 06, 08 e 10 (Denstply) para patência apical, seguidas dos instrumentos rotatórios Logic 2 15.05; 25.01; 25.05; 30.01 e 35.01 (Easy Bassi) para preparo do canal radicular.  

O protocolo de irrigação foi realizado com hipoclorito de sódio (2,5%) e EDTA (17%) com ativação das soluções com Irrisonic (Helse Ultrasonic) e em seguida Easy Clean (Easy Bassi). A obturação do canal radicular foi executada pela técnica do cone único, com cone de guta-percha 25.05 calibrado (Easy Bassi) e cimento endodôntico biocerâmico Bio-C Sealer (Angelus). O selamento coronário foi realizado com resina Bulk Fill SDR (Dentsply). 

Radiografia periapical do dente 21 após obturação do canal radicular.

Relato de Caso

  1. Utilize o corte sagital da TCFC que tenha a melhor visualização possível da luz do canal radicular para selecionar o ponto de eleição da abertura coronária. Desta forma terá um acesso mais direto à entrada do canal, evitando desgastes dentinários excessivos. 
  2. Ao utilizar a magnificação atente-se que a obliteração tem uma cor mais esbranquiçada e a dentina ao redor dela mais acinzentada/amarelada. Guie-se por essa diferença de tonalidade de cor para a utilização segura e conservadora dos insertos ultrassônicos.   

Referências

  1. Oginni AO, Adekoya-Sofowora CA, Kolawole KA. Evaluation of radiographs, clinical signs and symptoms associated with pulp canal obliteration: an aid to treatment decision. Dent Traumatol. 2009; 25:620-5. 
  2. Mccabe PS; Dummer PMH. Pulp canal obliteration: an endodontic diagnosis and treatment challenge. Int Endod J. 2012; 45:77-97. 
  3. Toubes KMS, Oliveira PAD, Machado SN, Pelosi V, Nunes E, Silveira FF. Clinical approach to pulp canal obliteration: a case series. Iran Endod J. 2017; 12:527-33. 
  4. de Cleen M. Obliteration of pulp canal space after concussion and subluxation: endodontic considerations. Quintessence Int. 2002; 33:661-9.  
  5. Torres A; Shaheen E; Lambrechts P; Politis C; Jacobs R. Microguided Endodontics: a case report of a maxillary lateral incisor with pulp canal obliteration and apical periodontitis. Int Endod J. 2019; 52:540-49.  

Professores

Profa. Dra. Kely Bruno
Coordenadora

Profa. Maykely Naara

Prof. Samuel Reis